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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Liberdade

Capítulo 2


Quando Júlia pôde finalmente descer do carro e esticar o corpo depois de algumas horas de viagem, ficou extasiada ao observar o ambiente agradável que cercava aquele acampamento.
            - Ah, o doce aroma do... – Júlia tossiu ao aspirar o ar que a sua tia acabava de contaminar com a fumaça que saía do carro – campo.
            - Bem que você podia consertar esse carburador, hein, tia? Eu e o Planeta agradeceríamos. – comentou, enquanto abria o porta-malas.
Rita não estava muito preocupada com o carburador. Estava preocupada com a sobrinha e com Lorena, que, caso descobrisse que sua única filha iria passar uma semana sozinha em um acampamento de esportes radicais, com certeza teria um ataque cardíaco.  
- Ai, Júlia... Tem certeza que quer fazer isso?
- Precisa perguntar? – Júlia respondeu, sorrindo. Aliás, ela estava tão feliz que não conseguia nem mudar a expressão do rosto.
- Vai lembrar de tomar os remédios na hora certa?
- Tia Rita, não precisa se preocupar. Eu tenho dezesseis anos, e posso te garantir que sei me cuidar sozinha.
- Mas é que... Você sabe que... As coisas são um pouco diferentes pra você e...
- Tia, por favor! Olha pra mim. Já me viu feliz assim algum dia em toda a minha vida?
 Rita ia responder alguma coisa, mas Júlia interrompeu:
- Deixa que eu respondo: não. Isso vai fazer muito bem pra mim. Você vai ver.
- Já estou vendo. – Rita riu e abraçou a sobrinha. – Se alguma coisa ruim acontecer, prometa que vai me ligar.
- Está bem.
– Quer ajuda com as malas? Quer que eu te acompanhe até o seu quarto? – perguntou Rita.
- Não. Eu me viro sozinha. É melhor você ir, né? Tem uma viagem e tanto pela frente...
- Hum. Já está querendo se livrar de mim?
Júlia riu e a agradeceu à tia:
- Eu vou ser eternamente grata a você, por me ajudar a vir pra cá.
- É claro que vai. – Rita concordou e entrou no carro. Pisou no acelerador, deixando uma cortina de fumaça preta.
- Meu Deus. – Júlia murmurou para si mesma. – Estou sozinha em um lugar desconhecido. Pela primeira vez na vida.  Isso é tão legal!
Júlia ficou estática por alguns segundos, até que resolveu pegar o papel da sua inscrição dentro da mala. Verificou o número do seu quarto e tentou erguer a pesada mala do chão.
A alguns metros dali, um rapaz observava Júlia, encantado. Era a garota mais linda que ele já havia visto. Feições delicadas, cabelos castanho-claros longos e ondulados e olhos verdes com um brilho intenso. Ele riu ao observar o jeito desajeitado com que a garota carregava a mala, que parecia mais pesada que ela.
- Será que eu posso te ajudar com a mala? – o rapaz perguntou, com um sorriso que Júlia achou adorável.
- Não, obrigada.
- É melhor você me dar essa mala. – insistiu.
- Não é necessário, eu me viro muito bem sozinha.
- Não é o que parece. Você mal conseguiu erguer essa coisa do chão.
- Estou achando você interessado demais em me ajudar. – Júlia retrucou, enquanto continuava a caminhar desajeitadamente.
- É isso o que os cavalheiros fazem.
- Jura? Se você vir algum, me avise, está bem?
- Há. Há. Há. Hilário. Vamos, deixa de onda e me dá logo isso. – o garoto arrancou a mala das mãos de Júlia com facilidade.
- Quem é você, afinal? – ela perguntou.
- Meu nome é Felipe. Primeira vez que você vem ao acampamento?
- Ahã. – “Primeira vez que eu vou a qualquer lugar”, Júlia pensou.
- Você vai adorar, eu garanto. – disse Felipe.
- Tenho certeza que sim. – ela sorriu, satisfeita. – Você sabe onde fica o quarto... ela deu uma rápida olhada no papel que estava segurando -  Bloco B, quarto 12?
- Claro. Conheço tudo por aqui.
Enquanto caminhavam até o alojamento, Júlia perguntou:
- E você, qual é o seu quarto?
Felipe riu.
- Por que quer saber? Está a fim de me fazer uma visitinha no meio da noite, princesa?
- O quê? É... É claro que não! Mas que... Eu só...! – Júlia tentou protestar, corando.
Felipe continuou a rir, agora mais alto. Júlia estava começando a achá-lo desagradável.
- Já terminou? – ela perguntou, irritada, quando Felipe finalmente parou de rir.
- Desculpe. Não deu pra resistir. – disse ele, e em seguida apontou para uma cabana de madeira, com o número 12 pintado em tinta vermelha na porta.
- Bem, se me dá licença, madame... – disse Felipe, em um tom irônico.
- Tem toda a licença. Tchau.
- De nada. – retrucou ele, antes de ir embora.
Novamente sozinha, Júlia sorriu, achando tudo aquilo o máximo. A cabana de madeira era simplesmente adorável, e ela imediatamente achou que parecia a casinha de bonecas que ela ganhara em seu sétimo aniversário. Ao lado do quarto 12, enfileiravam-se outras 11 cabanas idênticas àquela. Por dentro, a cabana era pequena e confortável. Júlia teria mais espaço, porque não iria dividir o quarto com nenhuma outra colega. Arrumou suas coisas cantarolando, e depois de alguns segundos, ouviu uma voz estridente, vinda de algum sistema externo de som.
- Campistas, se dirijam ao refeitório em cinco minutos.
            O ruído desapareceu, e antes de sair, Júlia penteou os cabelos longos, e sorriu para o próprio reflexo no espelho. Estava orgulhosa de si mesma por ter conseguido por em prática um plano tão impossível, que era escapar da marcação serrada de sua mãe. Infelizmente, sabia que ela iria ligar umas cinco vezes por dia, e não atender ao celular seria dar motivos para que Lorena ficasse neurótica. Por isso, Júlia pegou o celular e colocou no bolso. Caso a mãe ligasse, ela atenderia prontamente.
Júlia saiu do quarto e olhou para o ambiente à sua volta. Uma piscina enorme e azul ficava em frente às cabanas do bloco B, que Júlia descobriu ser o lugar exclusivo para as meninas. De fato, as garotas do acampamento eram ficavam instaladas no bloco B, e os garotos, no bloco A, que ficava do lado oposto, mas também em frente à piscina. O cenário era todo coberto por grama. Adolescentes animados transitavam por todos os lados.
Júlia estava tão ocupada observando tudo que nem notou que Felipe estava a seu lado.
- Oi.
Júlia teve um pequeno sobressalto ao percebê-lo.
- Você de novo?
Felipe ignorou a pergunta para fazer outra:
- Está indo aonde?
- Pro refeitório, eu acho. Não foi isso que mandaram fazer?
- Perda de tempo ir a essas reuniões de início de acampamento. Tudo o que vão fazer é dar boas vindas e listar umas regras que raramente serão obedecidas.
Júlia pensou consigo mesma que realmente, a última coisa que gostaria de fazer naquele lugar maravilhoso seria obedecer a regras.
- Você já veio a esse acampamento antes, não é? – ela perguntou.
- Já. No ano passado. Bem, já que você não vai mais à reuniãozinha no refeitório... Que tal se você fosse conhecer meu quarto? Podíamos fazer alguma coisa que tenha a ver com você, eu e as nossas bocas. 
Júlia ficou alguns segundos olhando para ele, chocada com tamanha cara-de-pau.
- Está achando que eu sou o quê, moleque? Se enxerga! Seu tarado!
Felipe observou as rugas de indignação que se formaram na testa de Júlia e a viu ir embora com passos decididos. Sorriu maliciosamente. Aquela ali não seria tão fácil quanto ele pensava.


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