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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Liberdade

Capítulo 4

Júlia estava pronta. Seu coração batia forte só de pensar na adrenalina que a aguardava. Ela e mais trinta e cinco campistas caminhavam pela trilha que os levaria a um penhasco de mais de cinquenta metros de altura.
A garota jamais vira tantas árvores em sua vida, e olhava para todos os lados, tentando gravar na memória cada detalhe daquele lugar lindo. Não podia se conter, por isso dizia para Chiaki o tempo todo coisas como:
- Chiaki, olha só aquele pássaro!
- Hum, legal. – a resposta de Chiaki era sempre indiferente. A garota asiática morava em uma fazenda de uma pequena cidade não muito longe dali. Nada daquilo era novidade para ela.
- Nossa, isso é tão incrível! – a animação de Júlia por estar naquele novo ambiente excedia os limites do normal, e beirava a ser uma atitude infantil, para qualquer um que olhasse.
- Júlia, a impressão que você passa às vezes é que nunca viu mato na vida. – Chiaki comentou, em tom de brincadeira. Esperou que Júlia dissesse algo, mas ela apenas deu um sorrisinho que Chiaki não soube decifrar. Júlia, é claro, estava pensando que a suposição de Chiaki havia sido praticamente exata.
- Quem será que é esse bendito instrutor de acampamento, hein? – Chiaki resolveu perguntar em seguida, para quebrar o silêncio incômodo que havia se estendido durante alguns segundos.
- Sei lá. Acho que vamos ter o desprazer de conhecê-lo em breve. – disse Júlia, sem imaginar o quão desagradável seria a surpresa que ela teria dali a alguns minutos.
Quando eles finalmente chegaram ao local, a monitora ruiva chamada Bete reuniu os campistas e, depois de fazer algumas considerações e ressaltar a altura exata do penhasco com uma voz alta e animada, anunciou:
- Bem, agora o instrutor irá se apresentar e esclarecer as normas de segurança e as orientações para a prática de Bungee Jumping.
Júlia observou, chocada, quando o garoto que ela conhecera naquele mesmo dia se apresentou.
- Olá galera. Meu nome é Felipe e eu vou instruir vocês na prática de todos os esportes radicais desse acampamento. Hoje, no salto de Bungee Jumping, é importante vocês saberem....
A partir daí, Júlia não escutou mais nada. Estava pensando, indignada, em como um acampamento sério como aquele podia aceitar um instrutor tão irresponsável. Para Júlia, um instrutor dando em cima de suas alunas era uma coisa completamente errada e absurda. Sentiu raiva pela primeira vez desde que chegara naquele acampamento, e sabia que iria acabar descontando aquela raiva na oportunidade mais próxima que aparecesse. Respirou fundo e lançou um olhar acusador para Felipe. Ele apenas sorriu para ela distraidamente e continuou a falar sobre a importância dos equipamentos de segurança.
Júlia se surpreendeu, de repente, pensando no quanto o sorriso dele era lindo. Mais precisamente, no quanto tudo nele era lindo. “Mas, seja como for, isso não vem ao caso.” Ela fez questão de ressaltar mentalmente.
Stefany fez questão de ser a primeira a pular do penhasco, embora tivesse dito naquele mesmo dia que isso era coisa para perdedores. Mas, por mais que aquilo que custasse um cabelo bagunçado, valia a pena tentar uma reaproximação com o instrutor.
- Oi, Stefany. Vai ser a primeira?
- Sem dúvida. Você sabe que eu adoro esportes radicais. É mais uma coisa que temos em comum.
- O que mais temos em comum? – perguntou Felipe, enquanto arrumava o equipamento de segurança. 
- Será que você se esqueceu de tudo que rolou entre a gente, no acampamento passado?
- É... – Felipe não estava gostando do rumo que aquela conversa estava tomando – Acho que sim. E você deveria fazer o mesmo. – disse ele , tentando acabar com aquela conversa.
- Hoje à noite, eu posso passar no seu quarto e refrescar a sua memória, Lipe. – ela falou, em um tom atrevido.
- Não é uma boa ideia. Olha, Stefany... O que aconteceu verão passado ficou no verão passado, tudo bem?
- Você está me dando um fora? – perguntou ela, irritada.
- Os equipamentos estão prontos. Vai nessa! – disse Felipe, se esquivando da pergunta com um sorriso indiferente.
- Escuta aqui, moleque, ninguém dá um fora na Stefany!
- Desculpe, mas eu estou fazendo isso. – retrucou Felipe, se perguntando que tipo de pane dera na cabeça dele para ter ficado com aquela menina, que além de ser a rainha do ego, ainda estava a fim de pegar no pé dele. Felipe era o tipo de garoto que tinha o costume de ficar com uma garota, e depois deixar pra trás qualquer vestígio de relacionamento.
- Me escuta bem... – Stefany ainda não estava conformada – se acha que pode me tratar desse jeito... Fique sabendo que eu posso muito bem contar tudo pro diretor do acampamento. Ele vai saber que você ficou comigo no verão passado e vai te demitir por olhar para as meninas do acampamento com um olhar nada profissional.
Felipe riu.
- Eu não vou ser demitido, Stefany. Pra sua informação, eu sou o único instrutor de esportes radicais, e sem um instrutor, o acampamento vai ser cancelado, e se o acampamento for cancelado, vão ter que devolver o dinheiro, e eu tenho certeza que eles fariam qualquer coisa para não devolver o dinheiro das inscrições.  
- Você é um idiota. Um completo idiota.
- Minha mãe diz a mesma coisa de vez em quando, mas eu costumo relevar.
Stefany riu e acrescentou:
- Caso mude de ideia, eu estou sempre disponível pra você.
- Não quero te decepcionar, mas tenho total certeza de que não vou mudar de ideia. Como você mesma já disse, preciso me tornar um profissional sério. E aí, vai pular hoje ou quer que eu fique velho de tanto esperar?
- Vai se lascar! – gritou Stefany, indo embora revoltada e desistindo completamente de pular do penhasco.
- Algum problema, Felipe? – perguntou a monitora ruiva, que escutara a exclamação da garota a consideráveis metros dali.
- Não, nenhum... Essas adolescentes de hoje em dia são muito temperamentais.
A monitora olhou para ele levemente desconfiada, mas em seguida se afastou e continuou a vigiar os campistas tediosamente. 
Quando a vez de Júlia finalmente chegou, ela estava radiante de expectativa.
- É um prazer ver você novamente, princesa. – disse Felipe.  Júlia revirou os olhos.
- Você é completamente louco! 
- É... Estou começando a achar que todas as garotas do mundo armaram um complô contra mim, hoje.
- Por que você não me disse que era o instrutor? – perguntou Júlia, indignada.
- Porque eu queria conhecer suas reações de surpresa e revolta. – falou ele, tranquilamente. – E, se você quer saber, elas são bem previsíveis.
- Escuta aqui...
- Não adianta, Júlia. – ele interrompeu – Não adianta fingir que não está interessada por mim.
- Eu... É claro que não! Pra mim, você não passa de um estranho. Ou melhor, uma criatura insignificante que eu tive a infelicidade de conhecer, e que usa como forma de diversão garotas as quais deveria instruir, provando que não tem o menor profissionalismo.
- Quê? Olha, eu adoraria ter prestado atenção no seu discurso, mas...
- Será que dá pra eu colocar esse equipamento e pular do penhasco logo? A sua voz me irrita.
Felipe riu e, depois de prender o tornozelo de Júlia à corda elástica, disse:
- Vai nessa.
Júlia deu passos lentos e silenciosos até a beira do penhasco. Olhou para a imensidão que se estendia metros abaixo.
- Se estiver com medo... Não precisa fazer isso. – disse Felipe, com voz baixa e suave.
- Medo? È claro que não! Esperei minha vida inteira por esse momento. – protestou Júlia.
- Pois pra mim, parece que você está morrendo de medo. Duvido que você pule.
- Como você consegue ser tão irritante?
- As garotas que me chamam de irritante são as primeiras a ficarem loucas por mim. E no seu caso, não vai ser diferente, Júlia.
Júlia ficou vermelha de raiva. Quem ele achava que era, afinal?
Um segundo depois, Felipe sentiu um forte e sonoro tapa acertar em cheio o seu rosto. Mas quando olhou em volta, a garota que havia batido nele não estava mais lá. Júlia estava em queda livre, sentindo a adrenalina invadir suas veias, em um momento fantástico.

sábado, 11 de junho de 2011

Liberdade

Capítulo 3

Enquanto caminhava, Júlia quase trombou com uma menina asiática. Atrapalhada, a garota de olhos puxados perguntou à Julia onde era o refeitório. Bastou isso e em alguns segundos, já estavam conversando sobre milhões de coisas. 
- Qual é o seu nome? – Júlia perguntou isso apenas depois que o assunto havia acabado.
- Chiaki. E você está proibida de dizer “O quê?” ou mesmo “Ãnh?”. – ela advertiu.
- É um nome interessante – disse Júlia, rindo.
- Eu percebi uma ponta de ironia nesse seu “interessante”? – Chiaki reclamou.
- Claro que não.
- O pior é que o nome do meu irmão rima com o meu: Osaki. Até hoje me pergunto que coisa minha mãe tomou antes de dar esses nomes pra nós. Osaki e Chiaki. Dá até pra formar uma dupla sertaneja japonesa.
Júlia se simpatizou com Chiaki imediatamente, e vice-versa. Foram juntas até o refeitório e assistiram uma mulher de cabelo vermelho subir em um tablado para dizer mais ou menos o que elas já esperavam ouvir:
- Sejam bem-vindos à Boituva, que é conhecida internacionalmente como o maior centro de pára-quedismo da América Latina.  E sejam bem-vindos, é claro, ao Acampamento de Esportes Radicais! – disse a senhora pelo microfone, para em seguida listar as regras do acampamento, às quais Júlia não prestou muita atenção.
Estava concentrada em olhar a programação do acampamento no papel que ela acabara de receber de um funcionário. Observou, radiante, que naquela mesma tarde ela teria a felicidade de se pendurar em uma corda elástica e em seguida se jogar de um penhasco. No papel, lia-se: Segunda feira – Treinamento e prática de Bungee jumping.
Na hora do almoço, Júlia e Chiaki se sentaram na mesma mesa de três garotas não muito simpáticas. A mais velha, que parecia ser a líder do grupinho, tinha cabelos repicados e loiros, excesso de maquiagem no rosto, e se chamava Stefany. As outras duas, Tatiana e Bruna, se esforçavam para serem cópias perfeitas dela. Bastaram cinco minutos de conversa para que Júlia e Chiaki percebessem que elas não eram pessoas confiáveis.
- Estou tão ansiosa para o Bungee Jumping, hoje. – comentou Júlia.
Stefany revirou os olhos.
- Se pendurar em cordas e pular de penhascos é coisa pra perdedores. Odeio esportes radicais. Só servem pra arruinar o meu cabelo e quebrar as minhas unhas.
Tatiana e Bruna riram. Júlia e Chiaki se entreolharam.
- Se você odeia... Por que está em um acampamento de esportes radicais? – Júlia perguntou, tentando continuar paciente.
- Pelo único motivo pelo qual vale a pena vir pra esse fim de mundo cheio de mato e mosquitos. 
Tatiana e Bruna riram novamente, e Chiaki fez uma cara de nojo hilária.
- E qual é esse motivo? - perguntou Júlia.
- O instrutor do acampamento, é claro. Provavelmente, vocês, desinformadas, não ouviram ainda falar DELE. O instrutor é simplesmente um deus grego. Lindo, alto, corpo atlético, olhos castanhos, cabelo preto, e... Ai, tá calor aqui, né? Enfim, ele é o cara mais gato com quem eu já fiquei.
- Ficou com o instrutor do acampamento?! - exclamou Júlia, horrorizada.
- É. No acampamento passado. Foi o momento mais mágico da minha vida. No acampamento passado, eu vim porque meu irmão me obrigou a acompanhá-lo. Pensei que ia ser uma tortura. Mas foi a melhor semana da minha vida, graças àquele deus grego. Então, resolvi vir novamente ao acampamento. O instrutor vai me pedir em namoro. È óbvio que ele vai. Ele me adora. 
Júlia achou aquilo o absurdo dos absurdos. Odiava falta de profissionalismo, especialmente, quando professores safados se aproveitavam de suas alunas, por serem novas e bobinhas, fazendo-as se apaixonarem e ficarem completamente iludidas, para depois chutá-las para escanteio. Júlia conhecia muito bem aquele tipo de cara. Rodeado de mulheres, sem levar nenhuma a sério. Decidiu, imediatamente, que iria odiar o tal instrutor.
- Que otário. Tomara que alguém descubra isso e ele seja demitido. – Júlia sussurrou para si mesma, mas Stefany ouviu perfeitamente.
- Ele não vai ser demitido. A menos que vocês nos dedurem. Só que vocês são garotas de bom senso e não vão fazer isso... Até porque, queridinhas, caso vocês falem qualquer coisa sobre isso, eu juro que faço esse lindo acampamento virar um inferno pra vocês. - ela disse, usando um tom de voz ameaçador que, para Júlia, não provocou efeito nenhum, mas que deixou Chiaki furiosa.
- Escuta aqui, sua... – Chiaki se levantou da mesa, vermelha de raiva.
- Adoraria ficar aqui e ver você armando um barraco, mas eu tenho mesmo que ir. Vamos, meninas! – Ela se dirigiu à Tatiana e Bruna, e elas se levantaram e saíram do refeitório em cima de seus saltos plataforma.
- Que filha de uma...
- Deixa pra lá, Chiaki. Vamos esquecer isso. É só o típico grupinho das patricinhas mimadas.
- Olha, se ela vier mexer a gente de novo, a minha mão vai parar propositalmente no meio da cara dela! – avisou Chiaki, enquanto Júlia achava graça da personalidade da colega, que parecia ser incapaz de aguentar provocações calada. Júlia, no entanto, estava tão satisfeita por estar naquele acampamento que nem conseguia se irritar com nada.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Liberdade

Capítulo 2


Quando Júlia pôde finalmente descer do carro e esticar o corpo depois de algumas horas de viagem, ficou extasiada ao observar o ambiente agradável que cercava aquele acampamento.
            - Ah, o doce aroma do... – Júlia tossiu ao aspirar o ar que a sua tia acabava de contaminar com a fumaça que saía do carro – campo.
            - Bem que você podia consertar esse carburador, hein, tia? Eu e o Planeta agradeceríamos. – comentou, enquanto abria o porta-malas.
Rita não estava muito preocupada com o carburador. Estava preocupada com a sobrinha e com Lorena, que, caso descobrisse que sua única filha iria passar uma semana sozinha em um acampamento de esportes radicais, com certeza teria um ataque cardíaco.  
- Ai, Júlia... Tem certeza que quer fazer isso?
- Precisa perguntar? – Júlia respondeu, sorrindo. Aliás, ela estava tão feliz que não conseguia nem mudar a expressão do rosto.
- Vai lembrar de tomar os remédios na hora certa?
- Tia Rita, não precisa se preocupar. Eu tenho dezesseis anos, e posso te garantir que sei me cuidar sozinha.
- Mas é que... Você sabe que... As coisas são um pouco diferentes pra você e...
- Tia, por favor! Olha pra mim. Já me viu feliz assim algum dia em toda a minha vida?
 Rita ia responder alguma coisa, mas Júlia interrompeu:
- Deixa que eu respondo: não. Isso vai fazer muito bem pra mim. Você vai ver.
- Já estou vendo. – Rita riu e abraçou a sobrinha. – Se alguma coisa ruim acontecer, prometa que vai me ligar.
- Está bem.
– Quer ajuda com as malas? Quer que eu te acompanhe até o seu quarto? – perguntou Rita.
- Não. Eu me viro sozinha. É melhor você ir, né? Tem uma viagem e tanto pela frente...
- Hum. Já está querendo se livrar de mim?
Júlia riu e a agradeceu à tia:
- Eu vou ser eternamente grata a você, por me ajudar a vir pra cá.
- É claro que vai. – Rita concordou e entrou no carro. Pisou no acelerador, deixando uma cortina de fumaça preta.
- Meu Deus. – Júlia murmurou para si mesma. – Estou sozinha em um lugar desconhecido. Pela primeira vez na vida.  Isso é tão legal!
Júlia ficou estática por alguns segundos, até que resolveu pegar o papel da sua inscrição dentro da mala. Verificou o número do seu quarto e tentou erguer a pesada mala do chão.
A alguns metros dali, um rapaz observava Júlia, encantado. Era a garota mais linda que ele já havia visto. Feições delicadas, cabelos castanho-claros longos e ondulados e olhos verdes com um brilho intenso. Ele riu ao observar o jeito desajeitado com que a garota carregava a mala, que parecia mais pesada que ela.
- Será que eu posso te ajudar com a mala? – o rapaz perguntou, com um sorriso que Júlia achou adorável.
- Não, obrigada.
- É melhor você me dar essa mala. – insistiu.
- Não é necessário, eu me viro muito bem sozinha.
- Não é o que parece. Você mal conseguiu erguer essa coisa do chão.
- Estou achando você interessado demais em me ajudar. – Júlia retrucou, enquanto continuava a caminhar desajeitadamente.
- É isso o que os cavalheiros fazem.
- Jura? Se você vir algum, me avise, está bem?
- Há. Há. Há. Hilário. Vamos, deixa de onda e me dá logo isso. – o garoto arrancou a mala das mãos de Júlia com facilidade.
- Quem é você, afinal? – ela perguntou.
- Meu nome é Felipe. Primeira vez que você vem ao acampamento?
- Ahã. – “Primeira vez que eu vou a qualquer lugar”, Júlia pensou.
- Você vai adorar, eu garanto. – disse Felipe.
- Tenho certeza que sim. – ela sorriu, satisfeita. – Você sabe onde fica o quarto... ela deu uma rápida olhada no papel que estava segurando -  Bloco B, quarto 12?
- Claro. Conheço tudo por aqui.
Enquanto caminhavam até o alojamento, Júlia perguntou:
- E você, qual é o seu quarto?
Felipe riu.
- Por que quer saber? Está a fim de me fazer uma visitinha no meio da noite, princesa?
- O quê? É... É claro que não! Mas que... Eu só...! – Júlia tentou protestar, corando.
Felipe continuou a rir, agora mais alto. Júlia estava começando a achá-lo desagradável.
- Já terminou? – ela perguntou, irritada, quando Felipe finalmente parou de rir.
- Desculpe. Não deu pra resistir. – disse ele, e em seguida apontou para uma cabana de madeira, com o número 12 pintado em tinta vermelha na porta.
- Bem, se me dá licença, madame... – disse Felipe, em um tom irônico.
- Tem toda a licença. Tchau.
- De nada. – retrucou ele, antes de ir embora.
Novamente sozinha, Júlia sorriu, achando tudo aquilo o máximo. A cabana de madeira era simplesmente adorável, e ela imediatamente achou que parecia a casinha de bonecas que ela ganhara em seu sétimo aniversário. Ao lado do quarto 12, enfileiravam-se outras 11 cabanas idênticas àquela. Por dentro, a cabana era pequena e confortável. Júlia teria mais espaço, porque não iria dividir o quarto com nenhuma outra colega. Arrumou suas coisas cantarolando, e depois de alguns segundos, ouviu uma voz estridente, vinda de algum sistema externo de som.
- Campistas, se dirijam ao refeitório em cinco minutos.
            O ruído desapareceu, e antes de sair, Júlia penteou os cabelos longos, e sorriu para o próprio reflexo no espelho. Estava orgulhosa de si mesma por ter conseguido por em prática um plano tão impossível, que era escapar da marcação serrada de sua mãe. Infelizmente, sabia que ela iria ligar umas cinco vezes por dia, e não atender ao celular seria dar motivos para que Lorena ficasse neurótica. Por isso, Júlia pegou o celular e colocou no bolso. Caso a mãe ligasse, ela atenderia prontamente.
Júlia saiu do quarto e olhou para o ambiente à sua volta. Uma piscina enorme e azul ficava em frente às cabanas do bloco B, que Júlia descobriu ser o lugar exclusivo para as meninas. De fato, as garotas do acampamento eram ficavam instaladas no bloco B, e os garotos, no bloco A, que ficava do lado oposto, mas também em frente à piscina. O cenário era todo coberto por grama. Adolescentes animados transitavam por todos os lados.
Júlia estava tão ocupada observando tudo que nem notou que Felipe estava a seu lado.
- Oi.
Júlia teve um pequeno sobressalto ao percebê-lo.
- Você de novo?
Felipe ignorou a pergunta para fazer outra:
- Está indo aonde?
- Pro refeitório, eu acho. Não foi isso que mandaram fazer?
- Perda de tempo ir a essas reuniões de início de acampamento. Tudo o que vão fazer é dar boas vindas e listar umas regras que raramente serão obedecidas.
Júlia pensou consigo mesma que realmente, a última coisa que gostaria de fazer naquele lugar maravilhoso seria obedecer a regras.
- Você já veio a esse acampamento antes, não é? – ela perguntou.
- Já. No ano passado. Bem, já que você não vai mais à reuniãozinha no refeitório... Que tal se você fosse conhecer meu quarto? Podíamos fazer alguma coisa que tenha a ver com você, eu e as nossas bocas. 
Júlia ficou alguns segundos olhando para ele, chocada com tamanha cara-de-pau.
- Está achando que eu sou o quê, moleque? Se enxerga! Seu tarado!
Felipe observou as rugas de indignação que se formaram na testa de Júlia e a viu ir embora com passos decididos. Sorriu maliciosamente. Aquela ali não seria tão fácil quanto ele pensava.


sábado, 28 de maio de 2011

Liberdade

Capítulo 1

Um conversível velho e amassado atravessava a rodovia SP-129 com toda a velocidade, ou, ao menos, com a maior velocidade que aquela lata velha podia alcançar.
            - Não acredito que estou fazendo isso, Júlia. Sua mãe vai me matar! – disse Rita, a dona daquele modesto automóvel. Estava visivelmente preocupada com a sobrinha. A garota, por sua vez, riu e disse apenas:
            - Ela não vai saber disso, tia. Relaxa. Ou melhor, acelera!
            Júlia não conseguia se lembrar de um dia ter tido uma sensação tão incrível quanto aquela. Isso era porque sua vida, normalmente, não era das mais interessantes.
            Francamente falando, a vida de Júlia não era nenhum pouco interessante. Ela sabia disso e estava obstinada a fazer o que fosse possível para combater aquele tédio que assolava sua vida durante todos os seus dezesseis anos de existência.
            Na vida de Júlia duas coisas eram constantemente ausentes: liberdade e diversão. Isso não é um exagero, levando em conta a rotina dela. Nascida na capital de São Paulo e estudando em uma das melhores escolas particulares da cidade, a garota passava a maior parte de seus dias trancada no apartamento com a mãe. Sair, apenas para ir à escola ou para consultas médicas. 
            Superprotetora e enérgica. Assim era a mãe de Júlia, Lorena. Ao perder o marido, quando Júlia ainda era um bebê, Lorena tornou-se quase paranóica pela segurança da filha. Afinal, seu marido já estava morto, e ela tinha pavor que o mesmo acontecesse a Júlia.
            No entanto, na tentativa de proteger a filha, Lorena privou Júlia de todo o tipo de diversão. Vigiava a garota o tempo todo, especialmente durante a noite e a madrugada. Tinha seus motivos para fazer isso. Assim, Júlia era terminantemente proibida de sair sozinha. Nunca havia ido a um passeio ou a uma viagem da escola, nunca havia passado a noite na casa de amigas, e nem mesmo de parentes.
            A mãe era tão obcecada por segurança quanto Júlia era obcecada por liberdade. Então, Júlia armou um plano para, pela primeira vez na vida, se livrar da companhia onipresente da mãe e realizar o seu maior sonho: ir para o famoso Acampamento de Esportes Radicais, na cidade interiorana de Boituva.
            Ir para um acampamento de esportes radicais poderia parecer impossível, considerando a situação de Júlia, mas ela arquitetara tudo cuidadosamente, desde que soube que, pela primeira vez, Lorena iria viajar a trabalho durante pouco mais de uma semana. Coincidentemente, era a mesma semana em que iria acontecer o acampamento.
            Lorena, relutante em deixar a filha, quase desistiu de viajar. Mas não tinha muita escolha. Era estritamente necessário, e ela concordou em ir desde que Júlia ficasse sob os cuidados de sua tia, Rita.
            Quando soube que iria ter que passar mais de uma semana com a tia Rita, Júlia ficou louca de alegria. Aquela era a chance que ela sempre esperara. Usou o dinheiro que guardava há algum tempo para uma “emergência”, e se inscreveu no acampamento via internet. Essa fora a parte fácil.
            - Lembre-se... De casa para a escola, da escola para a casa. Nada de deixá-la fazer o que ela quiser, essa menina não tem juízo. – Lorena advertiu Rita.
            - Mãe, eu estou de férias. Não vou pra escola. – Júlia interviu, mas a mãe continuou a falar:
            - Não a deixe esquecer de tomar os remédios na hora certa, pelo amor de Deus. Ah, e a Júlia não pode ingerir cafeína, corantes alimentícios, nada de bebidas alcoólicas, e muito menos medicamentos sedativos, anti-alérgicos ou anti-histamínicos. Sedativos são extremamente perigosos para casos como o dela e... – Lorena tagarelava, fazendo mil recomendações à sua irmã mais nova.
- Eu não vou dar nenhum sedativo pra Júlia, Lorena. – Rita respondeu, horrorizada e tonta com tantas informações.
- Mãe, assim você deixa a tia Rita louca.  Eu sei o que posso ou não posso fazer. Você sabe que sou extremamente responsável. – Júlia argumentou, fazendo o possível para que Lorena fosse logo embora.
- Está bem. Vou fingir que acredito.    
            - Então... Está tudo ótimo, tudo certinho... É hora de você ir, mamãe. Você não que perder o vôo, quer? – Júlia abriu a porta e deu um de seus sorrisos angelicais mais autênticos.
            Antes de sair, Lorena ainda abraçou a filha e disse, repetidamente, que qualquer coisa que acontecesse, era só ligar e ela voltaria da viagem no mesmo momento.
             Á medida que o carro de Lorena desaparecia no horizonte, o sorriso de Júlia se abria mais e mais.
            - Ih, Júlia... Esse sorriso aí está mais que suspeito. – disse Rita, pressentindo o que estava por vir.
            Para convencer Rita a levá-la ao acampamento, acobertar a “fuga” e assinar um termo do contrato, Júlia fez de tudo. Foi um processo de cinquenta minutos e que exigiu muita chantagem emocional, do tipo: “Você não pode negar para a sua sobrinha a única chance que ela tem de realizar seu sonho.”, ou mesmo: “Se eu não for, vou morrer de depressão!”.
            No final, Rita acabou cedendo, como já era de se esperar. Ela era muito maleável e sentia muita pena de Júlia, por ser criada por uma mãe tão pouco permissiva. Além disso, era uma adepta da filosofia de que “O que importa na vida é a intensidade com que é vivida”.
            Júlia mal podia acreditar. Havia sonhado tanto com aquele dia, e ele finalmente havia chegado.